quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Educação sem preconceitos. É possível?

Com um legado de quase quatrocentos anos de escravidão, uma transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado profundamente excludente e a consolidação de um Estado "de frente para o mar e de costas para o Brasil" (Milton Nascimento), o Brasil vem se acostumando como sendo uma sociedade inadvertidamente racista. A educação, por exemplo, longe de ser uma instituição imparcial, adotando um currículo e um discurso humanista e pró ativo quanto as diferenças, exorcizando assim todos os tipos de preconceito; muito pelo contrário, é um espaço que auxilia a difusão e reforça a maioria das discriminações."O preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais, professores, diretores e funcionários das escolas brasileiras. As que mais sofrem com esse tipo de manifestação são as pessoas com deficiência, principalmente mental, seguida de negros e pardos. Além disso, pela primeira vez, foi comprovada uma correlação entre atitudes preconceituosas e o desempenho na Prova Brasil, mostrando que as notas são mais baixas onde há maior hostilidade ao corpo docente da escola". (O Estado de São Paulo, 18/06/2009, Pg. A19). Nessa perspectiva, não precisamos de um currículo único, como o proposto pela rede pública do estado de São Paulo, mais sim de uma profunda e seria reforma curricular, formação continuada de professores e a participação concreta de alunos e comunidade na realização do planejamento escolar no início de cada semestre letivo. A ausência de um plano de carreira na rede estadual de ensino de São Paulo, os baixos salários, as "provinhas" sem era e nem bera, a superlotação de salas, a precariedade dos espaços escolares contribuem sobremaneira para uma educação excludente e preconceituosa. Mais "só" isso não explica essa recusa histórica que o Estado tem em relação a sua nação. A miscigenação está inerente na formação da sociedade brasileira. A dispeito de todas as radicais contradições econômicas e conflitos raciais dos mais intensos omitidos em função de uma falsa democracia racial, negros, brancos e índios, formam inequivocamente, o que conhecemos como riqueza nesse país.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Apresentação

Sociólogo e há 19 anos professor da rede pública estadual, dos quais por 8 anos estive como PCP – Professor Coordenador Pedagógico.
Ex – coordenador geral da CONE – Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra (201-2204). Casado e pai de dois lindos filhos, pretendo prosseguir minha militância, meus estudos e sobretudo lutar firmemente por uma sociedade menos injusta e excludente.
Sou militante do Movimento Negro desde os anos 80. Porém, na década de 90, precisamente em 1994, como aluno do curso de Ciências Sociais da PUC de São Paulo, ao estudar as condições de vida de Crianças e Adolescentes de Rua e Relações Raciais, passei a direcionar o meu esforço intelectual para ampliar os conhecimentos a respeito da formação da sociedade brasileira e da complexidade da sua miscigenação entre negros, brancos e índios.
Assim, durante o 5. º Encontro de Iniciação Científica, realizado nos dias 7 e 8 de novembro de 1996 pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, minha pesquisa O ventre livre e a rua foi premiada como o melhor trabalho da área de Ciências Humanas – Ciências Sociais, o que só aumentou o meu interesse.
Além disso, duas experiências ao longo desses últimos dez anos estimulam-me a aprofundar os estudos do tema relações raciais. A primeira ocorreu durante um trabalho em Belo Horizonte, em 1996, fruto de um convênio do CEERT[1] com a prefeitura local. E a mais recente aconteceu quando eu exercia a função de Coordenador Geral da CONE – Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra, órgão vinculado à Secretaria de Governo da Prefeitura Municipal de São Paulo, entre 2001e 2004. As duas experiências, no plano institucional, forneceram mais do que uma idéia do que representa, excluindo-se as iniciativas locais e pontuais, a omissão do Estado no que se refere a esclarecer a nação a respeito dos seus problemas e, simultaneamente, elaborar políticas públicas para superá-los.
Em Belo Horizonte, durante a oficina sobre Relações Raciais e de Gênero com professores de uma escola pública, em um determinado momento uma professora fez o seguinte relato: “Algum tempo atrás, durante uma aula, pedi aos meus alunos que desenhassem e pintassem os seus pais. Um aluno negro, depois de desenhar e começar a pintar de preto a figura do pai, aproximou-se e falou: ‘professora, está ficando feio’. Eu respondi: ‘é mesmo, pinte de amarelo ou laranja’”.
A professora fez esse relato na presença de aproximadamente trinta colegas de profissão, porém, ela não manifestou qualquer constrangimento ou indignação. Não houve um debate pedagógico sobre “pintar o pai de preto fica feio”, o que demonstra uma distância entre a realidade e a consciência da população, como um todo, do significado de ser negro num país que, de acordo com o censo do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas de 2004, a soma de pretos e pardos atingia 45 % da população.
Como coordenador da CONE – Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra da prefeitura de São Paulo acompanhei diversas iniciativas governamentais que visavam estimular uma convivência de respeito e dignidade entre brancos e negros, como o lançamento da cartilha “Luiz Gama – Poeta e Cidadão Memória da luta negra em São Paulo, a Primeira Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, realizada nos dias 28 e 31 de julho de 2004, etc.
[1] CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, uma Organização não Governamental criada em 1990 e constituída por militantes e estudiosos do Movimento Negro, que se dedica basicamente ao mercado de trabalho e às áreas de recursos humanos, direito e educação. Em 1996 o CEERT desenvolveu com a Prefeitura de Belo Horizonte o Projeto Oportunidades Iguais Para Todos.

EDUCANDO OU DISCRIMINANDO?

Uma das maiores conquistas do Movimento Negro nos últimos tempos, foi ter conseguido repercussão das suas denúncias em relação a perpetuação do racismo via educação. O que confirma não ser casual o próprio Ministério da Educação admitir e financiar pesquisas que corroboram denúncias que são seculares.
Em novembro de 1987, a Fundação Carlos Chagas, reuniu alguns expoentes bo Movimento Negro e estudiosos sobre a questão e ninguém titubeou: não é apenas a diversidade da situação sócio-econômica que explica a menor representatividade do negro no sistema de ensino. Tal afirmação revela que a cor tem sido um dos determinantes da chamada evasão, que na verdade é expulsa das crianças negras do sistema escolar.
O Brasil, primeiro fora da África e segundo país no mundo com a maior população negra e o último a “libertar” os trabalhadores (as) escravos, tem se inspirado num modelo de educação eurocêntrica, que recrudesce a suposta superioridade do dominante, que não por coincidência é branco. Como conseqüência, a mobilidade sócio, política e econômica de boa parte da sociedade brasileira é obstruída. Ou se preferirmos, “ minorias, quase maiorias”.
A começar da receptividade da escola em relação as crianças negras ao conteúdo veiculado nos livros didáticos, constata-se uma série de preconceitos, estereótipos, que inibem o desenvolvimento da auto-estima, da identidade sócio, política e cultural dessas crianças com seus “recentes” antepassados. Esse fato conspira a favor da idéia de evasão, que há muito tempo percebemos como expulsão.
Tomada como violência, a discriminação racial atenta contra os direitos fundamentais das crianças e adolescentes negras, submetendo-os à condição de cidadãos de segunda classe, excluído-as das possibilidades sociais e reservando para estas crianças e adolescente as piores mazelas. Por este ângulo, a discriminação expõe sua função de agente de dominação, de controle social e político.